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12.10.12

PT tentou dar um golpe na democracia brasileira


ministro Ayres Britto diz que mensalão foi 'projeto de golpe'

Ao condenar oito réus por corrupção ativa, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Carlos Ayres Britto, afirmou nesta quarta-feira (10) que o mensalão foi um projeto de golpe, para garantir a permanência no do PT no poder.
Para Britto, o objetivo dos réus era colocar em prática "um projeto que vai muito além de um quadriênio quadruplicado. Projeto de poder de continuísmo seco, raso. Golpe, portanto".
Para Britto, o projeto engendrado feria "o conteúdo mais eminente da democracia que é a República, o republicanismo, que postula possibilidade de renovação dos quadros e dirigentes e equiparação, na medida do possível, das armas que se disputas a preferência do voto popular."
Com o voto de Britto, o Supremo conclui a análise da principal parte da denúncia que trata da criação do esquema de compra de votos nos primeiros anos do governo Lula (2003-2010).
Por 8 votos a 2, o Supremo reconheceu que Dirceu engendrou e colocou em prática, "entre quatro paredes" do Palácio do Planalto, o esquema de compra de parlamentares com recursos públicos desviados e empréstimos obtidos de forma fraudulenta pelas empresas de Marcos Valério Fernandes de Souza e pela cúpula do PT.
Também foram condenados o ex-presidente do PT José Genoino (9 votos a 1), o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares (10 votos), além do empresário Marcos Valério e quatro réus ligados a ele.

brasil X paraguai - dilmassaltante se aliando ao chavez


O Paraguai, a lei e a desordem

A Constituição paraguaia diz que um presidente pode ser afastado de seu cargo por “mau exercício das funções”, se uma maioria parlamentar qualificada decidir fazê-lo. O impeachment de Fernando Lugo, pronunciado em 36 horas, seguiu tal receita. O pretexto utilizado pela maioria parlamentar que o derrubou foi o sangrento confronto entre policiais e sem-terra ocorrido pouco antes, durante a desocupação de uma fazenda.
É nas crises que se avalia a qualidade dos líderes políticos. Lugo não passou pelo crivo da crise. O estadista paraguaio reagiu de modo ambíguo ao “impeachment expresso”. Após o voto da Câmara, disse que respeitaria a deliberação final, do Senado, e enviou advogados para fazer a sua defesa. Depois de tudo, pronunciou um discurso de despedida no qual afirmou que a democracia paraguaia foi “golpeada” – e retirou-se sugerindo que apoiaria “protestos pacíficos” contra a decisão. A oscilação confundiu seus partidários – mas, de qualquer modo, apenas 5 mil pessoas protestavam em Assunção.
O legalismo da maioria parlamentar foi manchado pela celeridade do processo: como registrou Lugo, seu afastamento demorou menos que o tempo de análise de um recurso contra multa de trânsito, destruindo o direito à defesa. Em editorial, o jornal O Globo minimizou a importância do caráter sumário do impeachment, enquanto o colunista Merval Pereira qualificou o diagnóstico de que se violou o “devido processo legal” como “questão de interpretação”. Há algo de errado quando os princípios gerais do direito são tratados como adornos dispensáveis, quase fúteis. A violação permanente de tais princípios é o método empregado pelos governos de Vladimir Putin e de Hugo Chávez para, “legalmente”, asfixiar as liberdades políticas e fraudar a democracia. Nota oportuna: na Rússia e na Venezuela, a cúpula do Judiciário também avaliza, docilmente, a “legalidade” dos atos dos donos do poder.
O episódio paraguaio deve ser caracteriza­­do como um golpe parlamentar vestido nos andrajos das leis de uma democracia oligárquica. A Constituição do país permite a deposição de um presidente com base em “acusações” de ordem exclusivamente política. O texto constitucional funciona como ferramenta crucial de controle do poder pela elite política tradicional, cuja representação é a maioria parlamentar. Há diferenças significativas entre a deposição de Lugo e a de Manuel Zelaya, em 2009. Contudo, no Paraguai, como em Honduras, o sistema de poder oligárquico faz do presidente eleito um mero despachante dos interesses da elite tradicional organizada no parlamento.
Lugo era um presidente de esquerda, mas a esquerda jamais chegou ao poder no Paraguai. O governo do “bispo dos pobres” inscreve-se, como elemento de uma certa desordem, na transição paraguaia deflagrada pelo encerramento da ditadura de Alfredo Stroessner, em 1989. O regime ditatorial, que se estendeu por 35 anos, exprimia a hegemonia do Partido Colorado. Na longa transição ainda em curso, a elite política molda um sistema pluripartidário de revezamento no poder. O componente dissonante é a emergência de movimentos sociais, especialmente dos sem-terra, em um país de grandes propriedades rurais em trajetórias desiguais de modernização.
Uma estranha aliança entre os movimentos sociais e o Partido Liberal, de centro-direita, propiciou o triunfo de Lugo, em 2008, e a ruptura de 61 anos de hegemonia colorada. O presidente de esquerda equilibrava-se entre os movimentos sociais e a coalizão de governo, carecendo quase totalmente de base parlamentar própria. No Congresso, dependia do apoio inconstante do Partido Liberal e dos humores mutáveis da União dos Cidadãos Éticos (Unace), nome improvável de uma dissidência colorada reunida em torno do ex-general golpista Lino Oviedo.
O golpe parlamentar do impeachment decorreu da cisão da aliança entre os liberais e o presidente, nas circunstâncias traumáticas criadas pelo tiroteio entre os sem-terra e policiais. A eleição presidencial está marcada para abril de 2013. O Partido Liberal, do agora presidente Federico Franco, calcula que o exercício direto do poder lhe propiciará a vitória, possivelmente em coligação com Oviedo. Os colorados imaginam que o estilhaçamento definitivo da aliança entre a esquerda e os liberais assegurará o seu próprio triunfo.
As reações latino-americanas ao “impeachment expresso” traduzem a desunião da Unasul. Sob o influxo da Venezuela, o “bloco bolivariano” almeja promover o isolamento completo do governo de Franco – mas os países da Alba têm escassa influência sobre o Paraguai. A Argentina, esquecida de seus próprios interesses nacionais, opera quase como um peão de Chávez, o que complica o cenário do Mercosul, no qual deve agir o Brasil. As reticências brasileiras refletem um realismo geopolítico que escapa à compreensão de Cristina Kirchner.
No episódio da destituição de Zelaya, o governo Lula participou, com disfarçada relutância, da aventura tragicômica conduzida por Chávez. A irrelevância do Brasil no tabuleiro do istmo centro-americano propiciou o exercício da irresponsabilidade, que rendeu frutos junto às correntes petistas seduzidas pelo brilho falso do “socialismo bolivariano”. O Paraguai, porém, não é Honduras: a história, a fronteira, Itaipu e os brasiguaios não permitem a transformação do país em campo de folguedos ideológicos. O governo Dilma transita na vereda estreita que passa entre os abismos das sanções econômicas, que provocariam perigosa instabilidade no vizinho estratégico, e da condescendência passiva, que desmoralizaria a cláusula democrática do Mercosul consagrada no Protocolo de Ushuaia. O imperativo do realismo diplomático é um problema do governo. Por outro lado, a defesa das liberdades e da democracia exige que se chamem as coisas pelo nome delas, sem duplicidade ou eufemismos. Hoje, é Assunção; amanhã, Caracas.

Lula - o réu ausente

lula capacho chefe do mensalão

A tese da quadrilha, emanada da acusação e adotada pelo relator Joaquim Barbosa, orienta a maioria dos juízes do STF no julgamento do caso do mensalão. Metodologicamente, ela se manifesta no ordenamento das deliberações, que agrupa os réus segundo a lógica operacional seguida pela quadrilha. Substantivamente, transparece no conteúdo dos votos dos ministros, que estabelecem relações funcionais entre réus situados em posições distintas no esquema de divisão do trabalho da quadrilha.
As exceções evidentes circunscrevem-se ao revisor, Ricardo Lewandowski, e a José Antônio Dias Toffoli, um ex-advogado do PT que, à época, negou a existência do mensalão, mas, agora, não se declarou impedido de participar do julgamento. O primeiro condenou os operadores financeiros, mas indicou uma inabalável disposição de absolver todo o núcleo político do sistema criminoso. O segundo é um homem com uma missão.
O relatório de “contraponto” do revisor, uma cachoeira interminável de palavras, consagrou-se precisamente à tentativa de implodir a tese principal da acusação. Sem a quadrilha, a narrativa dos eventos criminosos perderia seus nexos de sentido. Como consequência, voluntariamente, a mais alta corte vendaria seus próprios olhos, tornando-se refém das provas materiais flagrantes. Juízes desmoralizados proclamariam o império da desigualdade perante a lei, condenando figuras secundárias (cujas mãos ainda estão sujas de graxa) para absolver, um a um, os pensadores políticos que coordenavam a orgia de desvio de recursos públicos. Esse caminho, o sendero de Lewandowski, felizmente não prosperou. Há um julgamento em curso, não uma farsa.
Uma quadrilha é uma organização, tanto quanto uma empresa. Nas organizações, há uma relação inversa entre a posição hierárquica e a natureza material da função. Nos níveis mais elevados de direção, o trabalho é altamente abstrato: análise estratégica, definição de metas de longo prazo, orientação geral de prioridades e rumos. Nessa esfera, ninguém opera máquinas, emite ordens de pagamento ou assina relatórios gerenciais. Contudo, as organizações se movem na direção e no ritmo ditados pelo círculo fechado de seus “intelectuais”.
A narrativa da peça acusatória conta-nos que, na quadrilha do mensalão, um personagem concentrava as prerrogativas decisórias supremas. José Dirceu, explicou o procurador-geral da República, utilizava sua dupla autoridade, no governo e no PT, para mover as engrenagens da “fabricação” de dinheiro destinado a perpetuar um condomínio de poder. Previsivelmente, o “chefe da quadrilha” deixou apenas rastros muito tênues e indiretos de seus feitos. “O que vão querer em termos de provas? Uma carta? Uma confissão espontânea? É muito difícil. Você tem confissão espontânea de ladrão de galinha”, constatou o juiz Marco Aurélio Mello em entrevista recente. O que decidirá o STF quando, ultrapassado o escalão dos chefes políticos acessórios, chegar à encruzilhada de Dirceu?
O inacreditável Toffoli explicitou seus critérios ao justificar o voto de absolvição sob o argumento de que “a defesa não precisa provar sua versão”. Todos sabem que o ônus da prova de culpa cabe à acusação. Mas é óbvio até para leigos que, confrontada com evidências de culpabilidade, a defesa tem o dever de comprovar seus álibis. Na ponta oposta, o juiz Luiz Fux sustentou que, diante de “megacrimes” articulados por figuras poderosas, “indícios podem levar a conclusão segura e correta”. A síntese de Fux descortina o método pelo qual, sem arranhar as garantias do Estado de direito, é possível estender a aplicação da lei aos “fidalgos” da República.
Não é verdade, como alega a defesa do então ministro da Casa Civil, que nada se tem contra ele. A acusação apresentou uma longa série de provas circunstanciais do poder efetivo de Dirceu sobre os personagens cruciais para as operações da quadrilha. Mas, na ausência de uma improvável confissão esclarecedora de algum dos réus, os juízes terão de decidir, essencialmente, sobre “indícios”: a lógica interna de uma narrativa. Eles podem escolher a conclusão inapelável derivada da tese da quadrilha e, sem o concurso de provas documentais, condenar o réu mais poderoso pela autoria intelectual dos inúmeros crimes tipificados. A alternativa seria recuar abruptamente em face do espectro da ousadia jurídica, absolver o símbolo do mensalão e legar à posteridade a história esdrúxula, risível e intragável de uma quadrilha carente de comando.
O enigma é, porém, ainda mais complexo. Como registrou o advogado de defesa do ex-deputado Roberto Jefferson, há um réu ausente, que atende pelo nome de Lula da Silva. Toda a trama dos crimes, tal como narrada pela acusação, flui na direção de um comando central. Dirceu, prova o procurador-geral, detinha autoridade política sobre os operadores cruciais do mensalão. Mas, acima de Dirceu, no governo e no PT, encontrava-se Lula, “um sujeito safo” que “sempre se mostrou muito mais um chefe de governo que chefe de Estado”, nas palavras do mesmo Marco Aurélio. A peça acusatória, contudo, não menciona Lula, o beneficiário maior da teia de crimes que alimentavam um sistema de poder. A omissão abala sua estrutura lógica.
“Você acha que um sujeito safo como Lula não sabia?”, perguntou Marco Aurélio, retoricamente, ao jornalista que o entrevistava. Ninguém acha – e existem diversos depoimentos que indicam a ciência plena do então presidente sobre o essencial da trama. O mesmo tipo de prova indireta, não documental, utilizada na incriminação de Dirceu poderia – e, logicamente, deveria – ter sido apresentada para colocar Lula no banco dos réus. Mas o procurador-geral escolheu traçar um círculo de ferro em torno de um homem que, coberto de motivos para isso, acredita-se inimputável. A opção da acusação, derivada de uma perversa razão política, assombrará o país por um longo tempo.
Demétrio Magnoli é sociólogo.

reflexão sobre oque é "raça" "cor" e alma




Heraldo, a cor e a alma









Há nove anos, desde que Lula recebeu a faixa de FHC, o blogueiro Paulo Henrique Amorim consagra seu tempo a cantar-lhe as glórias, a ofender opositores e a clamar contra o jornalismo independente
Aretratação, obtida por meio dos tribunais, circula na imprensa e na internet. Nela, o blogueiro Paulo Henrique Amorim retira cada uma das infâmias que assacou contra o jornalista Heraldo Pereira, apresentador do “Jornal Nacional” e comentarista político do “Jornal da Globo”. No seu blog, entre outras injúrias, Amorim classificou Heraldo como “negro de alma branca” e escreveu que o jornalista “não conseguiu revelar nenhum atributo para fazer tanto sucesso, além de ser negro e de origem humilde”.
Confrontar o poder, dizendo verdades inconvenientes às autoridades – na síntese precisa do intelectual britânico Tony Judt, é essa a responsabilidade dos indivíduos com acesso aos meios de comunicação. Amorim sempre fez o avesso exato disso. A adulação, reservada às autoridades, e a injúria, dirigida aos oposicionistas são suas ferramentas de trabalho. Não lhe falta coerência: ao longo das oscilações da maré da política, do governo João Figueiredo ao governo Dilma, sem exceção, ele invariavelmente derrama elogios nos ocupantes do Palácio e ataca os que estão fora do poder. Às vésperas da disputa presidencial de 1998, no comando do jornal da TV Bandeirantes, engajou-se numa estridente campanha de calúnias contra Lula, que retrucou com um processo judicial e obteve desculpas da emissora. Há nove anos, desde que Lula recebeu a faixa de FHC, o blogueiro consagra seu tempo a cantar-lhe as glórias, a ofender opositores e a clamar contra o jornalismo independente. Funciona: a estatal Correios ajuda a financiar o blog infame.
Amorim não tem importância, a não ser como sintoma de uma época, mas a natureza de sua injúria racial tem. “Negro de alma branca”, uma expressão antiga, funciona como marca de ferro em brasa na testa do “traidor da raça”. No passado, serviu para traçar um círculo de desonra em torno dos negros que ofereceram seus préstimos interessados ao proprietário de escravos ou ao representante dos regimes de segregação racial. Hoje, no contexto das doutrinas racialistas, adquiriu novos significados e finalidades, que se esgueiram em ruelas sombrias, atrás da avenida iluminada da resistência contra a opressão. Brincando com a Justiça, Amorim republica no seu blog um artigo do ativista de movimentos negros Marcos Rezende que, na prática, repete a injúria dirigida contra Heraldo. Custa pouco girar os holofotes e escancarar o cenário que a infâmia almeja conservar oculto.
O líder africânder Daniel Malan, vitorioso nas eleições de 1948, instituiu o apartheid na África do Sul. Amorim e Rezende certamente não o classificariam como “branco de alma negra”, pois uma “alma negra” não seria capaz de fazer o mal e, mais obviamente, porque Malan não traiu a sua “raça”. Sob a lógica pervertida do pensamento racial, eles o designariam como “branco de alma branca”, embutindo numa única expressão sentimentos contraditórios de ódio e admiração. Como fez o mal, o africânder confirmaria que a cor de sua alma é branca. Entretanto, como promoveu os interesses de sua própria “raça”, ele figuraria na esfera dos homens respeitáveis. William Du Bois (1868-1963), “pai fundador” do movimento negro americano, congratulou Adolf Hitler, um “branco de alma branca”, pela promoção do “orgulho racial” dos arianos.
Confiando numa suposta imunidade propiciada pela cor da pele ou pelo seu cargo de conselheiro do Ministério da Justiça, Rezende converteu-se na voz substituta de Amorim. No artigo inquisitorial de retomada da campanha injuriosa, ele não condena Heraldo por algo que fez, mas por um dever que não teria cumprido: o jornalista é qualificado como “um negro da Casa Grande da Rede Globo”, que “não dignifica a sua ancestralidade e origem” pois “nunca fez um comentário quando a emissora se posiciona contra as cotas”. No fim, os dois linchadores associados estão dizendo que Heraldo carrega um fardo intelectual, derivado da cor de sua pele. Ele estaria obrigado, sob o tacão da injúria, a subscrever a opinião política de Rezende, que é a (atual) opinião de Amorim.
O epíteto lançado contra Heraldo é uma ferramenta destinada a policiar o pensamento, ajustando-o ao dogma da raça e eliminando simbolicamente os indivíduos “desviantes”. O economista Thomas Sowell produziu uma obra devastadora sobre as políticas contemporâneas de raça. Ward Connerly, então reitor da Universidade da Califórnia, deflagrou em 1993 uma campanha contra as preferências raciais nas universidades americanas. José Carlos Miranda, do Movimento Negro Socialista, assinou uma carta pública contra os projetos de leis de cotas raciais no Brasil. Sowell é um conservador; Connerly, um libertário; Miranda, um marxista – mas todos rejeitam a ideia de inscrever a raça na lei. Como tantos outros intelectuais e ativistas, eles já foram taxados de “negros de alma branca” pela Santa Inquisição dos novos arautos da raça.
A liberdade humana é a verdadeira vítima dos inquisidores do racialismo. Mas, e aí se encontra o dado crucial, essa forma de negação da liberdade opera sob o critério discriminatório da raça, não segundo a regra do universalismo. Se tivesse a pele branca, Heraldo conservaria os direitos de se pronunciar a favor ou contra as políticas de preferências raciais – e também o de não opinar sobre o tema. Como, entretanto, tem a pele negra, Heraldo é detentor de uma gama muito menor de direitos – efetivamente, entre as três opções, só está autorizado a abraçar uma delas.
Sob o ponto de vista do racialismo, as pessoas da “raça branca” são indivíduos livres para pensar, falar e divergir, mas as pessoas da “raça negra” dispõem apenas da curiosa liberdade de se inclinar, obedientemente, diante de seus “líderes raciais”, os guardiões da “ancestralidade e origem”. Hoje, como nos tempos da segregação oficial americana ou do apartheid sul-africano, o dogma da raça prejudica principalmente os negros.
Demétrio Magnoli, é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP.




collor o caçador de jornalistas livres

Os bons companheiros

De “caçador de marajás”, Fernando Collor transfigurou-se em caçador de jornalistas. Na CPI do Cachoeira, seu alvo é Policarpo Jr., da revista Veja, a quem acusa de associar-se ao contraventor “para obter informações e lhe prestar favores de toda ordem”. Collor calunia, covardemente protegido pela cápsula da imunidade parlamentar. Os áudios das investigações policiais circulam entre políticos e jornalistas – e quase tudo se encontra na internet. Eles atestam que o jornalista não intercambiou favores com Cachoeira. A relação entre os dois era, exclusivamente, de jornalista e fonte – algo, aliás, registrado pelo delegado que conduziu as investigações.
Jornalistas obtêm informações de inúmeras fontes, inclusive de criminosos. Seu dever é publicar as notícias verdadeiras de interesse público. Criminosos passam informações – verdadeiras ou falsas – com a finalidade de atingir inimigos, que muitas vezes também são bandidos. O jornalismo não tem o direito de oferecer nada às fontes, exceto o sigilo, assegurado pela lei. Mas não tem, também, o direito de sonegar ao público notícias relevantes, mesmo que a divulgação seja do interesse circunstancial de uma facção criminosa.
Os áudios em circulação comprovam que Policarpo Jr. seguiu rigorosamente os critérios da ética jornalística. Informações vazadas por fontes diversas, inclusive a quadrilha de Cachoeira, expuseram escândalos reais de corrupção na esfera federal. Dilma Rousseff demitiu ministros com base naquelas notícias, atendendo ao interesse público. A revista na qual trabalha o jornalista foi a primeira a publicar as notícias sobre a associação criminosa entre Demóstenes Torres e a quadrilha de Cachoeira – uma prova suplementar de que não havia conluio com a fonte. Quando Collor calunia Policarpo Jr., age sob o impulso da mola da vingança: duas décadas depois da renúncia desonrosa, pretende ferir a imprensa que revelou à sociedade a podridão de seu governo.
A vingança, porém, não é tudo. O senador almeja concluir sua reinvenção política inscrevendo-se no sistema de poder do lulo-petismo. Na CPI, opera como porta-voz de José Dirceu, cujo blog difunde a calúnia contra o jornalista. Às vésperas do julgamento do caso do mensalão, o réu principal, definido pelo procurador-geral da República como “chefe da quadrilha”, engaja-se na tentativa de desqualificar a imprensa – e, com ela, as informações que o incriminam.
O mensalão, porém, não é tudo. A sujeição da imprensa ao poder político entrou no radar de Lula justamente após a crise que abalou seu primeiro mandato. Franklin Martins foi alçado à chefia do Ministério das Comunicações para articular a criação de uma imprensa chapa-branca e, paralelamente, erguer o edifício do “controle social da mídia”. Contudo, a sucessão representou uma descontinuidade parcial, que se traduziu pelo afastamento de Martins e pela renúncia ao ensaio de cerceamento da imprensa. Dirceu não admitiu a derrota, persistindo numa campanha que encontra eco em correntes do PT e mobiliza jornalistas financiados por empresas estatais. Policarpo Jr. ocupa, no momento, o lugar de alvo casual da artilharia dirigida contra a liberdade de informar.
No jogo da calúnia, um papel instrumental é desempenhado pela revista Carta Capital. A publicação noticiou falsamente que Policarpo Jr. teria feito “200 ligações” telefônicas para Cachoeira. Em princípio, nada haveria de errado nisso, pois a ética nas relações de jornalistas com fontes não pode ser medida pela quantidade de contatos. Entretanto, por si mesmo, o número cumpria a função de arar o terreno da suspeita, preparando a etapa do plantio da acusação, a ser realizado pela palavra sem freios de Collor. Os áudios, entretanto, evidenciaram a magnitude da mentira: o jornalista trocou duas, não duzentas, ligações com sua fonte.
A revista não se circunscreveu à mentira factual. Um editorial, assinado por Mino Carta, classificou a suposta “parceria Cachoeira-Policarpo Jr.” como “bandidagem em comum”. Editoriais de Mino Carta formam um capítulo sombrio do jornalismo brasileiro. Nos anos seguintes ao AI-5, o atual diretor de redação de Carta Capital ocupava o cargo de editor de Veja, a publicação na qual hoje trabalha o alvo de suas falsas denúncias. Os editoriais com a sua assinatura eram peças de louvação da ditadura militar e da guerra suja conduzida nos calabouços. Um deles, de 4 de fevereiro de 1970, consagrava-se ao elogio da “eficiência” da Operação Bandeirante (Oban), braço paramilitar do aparelho de inteligência e tortura do regime, cuja atuação “tranquilizava o povo”. O material documental está disponível no blog do jornalista Fábio Pannunzio (http://www.pannunzio.com.br/), sob a rubrica “Quem foi quem na ditadura”.
Na Veja de então, sob a orientação de Carta, trabalhava o editor de Economia Paulo Henrique Amorim. A cooperação entre os cortesãos do regime militar renovou-se, décadas depois, pela adesão de ambos ao lulismo. Hoje, Amorim faz de seu blog uma caixa de ressonância da calúnia de Carta dirigida a Policarpo Jr. O fato teria apenas relevância jurídica se o blog não fosse financiado por empresas estatais: nos últimos três anos, tais fontes públicas transferiram bem mais de um milhão de reais para a página eletrônica, distribuídos entre a Caixa Econômica Federal (R$ 833 mil), o Banco do Brasil (R$ 147 mil), os Correios (R$ 120 mil) e a Petrobrás (que, violando a Lei da Transparência, recusa-se a prestar a informação).
Dilma não deu curso à estratégia de ataque à liberdade de imprensa organizada no segundo mandato de Lula. Mas, como se evidencia pelo patrocínio estatal da calúnia contra Policarpo Jr., a presidente não controla as rédeas de seu governo - ao menos no que concerne aos interesses vitais de Dirceu. A trama dos bons companheiros revela a existência de um governo paralelo, que ninguém elegeu.
Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP

cotas racialistas

Demétrio Magnoli

Sociólogo, doutor em Geografia Humana pela USP, colunista e escritor
Por que há tanta polêmica em torno do Estatuto da Igualdade Racial?
Na sua versão original, que tem muitos anos e tramita desde o início da década, ele configurava algo como uma nova Constituição Federal, em que o país seria redefinido não como uma nação, mas como uma confe­deração de duas nações. Estas palavras não estavam lá, mas este é o sentido. O texto tratava o Brasil como um território onde haveria uma nação de raça branca e uma nação de raça negra. O que a lei trazia, na verdade, era uma proposta de divisão dos bens públicos entre as duas nações. Ha­veria cotas raciais – não só ensino publico, mas também no serviço público e a sugestão de cotas no mercado de trabalho e no marketing –, criando uma série de instituições de autoadministração da nação negra, que seriam financiadas por recursos públicos. Era uma nova Constituição, que se baseava na supressão da ideia de uma nação única. Quando as ONGs do movimento negro pedem a retirada do projeto, é porque, com o acordo feito, ele perde este sentido. Torna-se uma declaração de inten­ções contra o racismo. As ONGs não são contra o racismo. Elas, na verda­de, acham que o racismo é bom, é necessário, porque produz consciên­cia racial. Elas não querem uma de­claração de intenções contra o ra­cismo, querem uma Constituição que racialize o Brasil e que nos divida entre duas nações, por isso a polêmi­ca.
No seu livro mais recente livro, Gota de Sangue, o senhor relaciona política e o “mito da raça”. Por quê?
O poder político tem os meios para produzir a raça como um elemento real na vida política das nações. Procurei mostrar ao longo do livro como diversos Estados, dentro de diversas circunstâncias históricas, constituem a raça na vida política das nações. Não é que o conceito exista, ele é produzido. O Estatuto da Igualdade Racial instituiria a raça por lei no Brasil, seria um ato do Estado de instituição legal da raça. Se fosse aprovado na versão original, passaríamos a viver em um país que define por lei o estatuto político de acordo com a raça. Embora raça não exista na biologia, pode ser produzida na política. Não conheço em detalhes o substitutivo, mas posso dizer que, nas versões anteriores, a lei instituía a raça como um elemento definidor da vida política no Brasil.
Há um caminho para solucionar estes conflitos?
A existência de diferentes posições não precisa ser solucionada. Opiniões diferentes existem em qualquer democracia. As ONGs podem ter sua posição à vontade. Espero que o Estado, o Parlamento, o Executivo e o Judiciário rejeitem a anulação da Constituição do Brasil. O país é formado por cidadãos, e a raça não é reconhecida pela lei. Cada pessoa, grupo ou ONG pode se imaginar como pertencendo a uma raça; isto é terreno da vida pessoal e cultural. Cada um pode imaginar identidade racial para si, e o Estado não tem de interferir, mas também não pode adotar a ideia da raça como lei e converter as identidades em legislação, ou impor à sociedade que se organize desta forma.

recapitulando os crimes de lula

Dora Kramer

Uma nação de cócoras

Objetivamente: qual a necessidade de o presidente da República passar três dias vistoriando obras do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco em quatro estados, na companhia de uma vasta comitiva de ministros, entre eles a chefe da Casa Civil?
Para uma vistoria, engenheiros dariam conta do recado. Para uma prestação de contas à sociedade com a finalidade de mostrar que as obras estão andando, há verbas (abundantes) de propaganda institucional.
Mas, como o objetivo não é verificar coisa alguma e a publicidade pura e simples, no caso, não cumpre o objetivo, o presidente Luiz Inácio da Silva ocupa três dias úteis dos raros que tem passado no país com uma turnê de acampamentos e pronunciamentos de caráter pura e explicitamente eleitoral.
Isso quando há problemas graves que mereceriam do presidente mais que referências ligeiras ou declarações de natureza político-partidária, ora em sentido de ataque, ora de defesa.
Exemplos mais recentes: o cancelamento por fraude do Enem e o confisco temporário de parte da devolução do Imposto de Renda para cobrir gastos públicos contratados pela necessidade de sua excelência alimentar o mito do grande beneficiário da Nação, empreendedor ousado.
Mas o que espanta já não é mais o que Lula faz. O que assusta é o que deixam que ele faça. E pelas piores razões: uns por oportunismo deslavado, outros por medo de um fantasma chamado popularidade, que assombra – mas, sobretudo, enfraquece – todo o país.
Fato é que os poderes, os partidos, os políticos, as instituições, as entidades organizadas, a sociedade estão todos intimidados, de cócoras ante um mito que se alimenta exatamente da covardia alheia de apontar o que está errado.
Por receio de remar contra a corrente, mal percebendo que a corrente é formada justamente por força da intimidação geral, temor de ser enquadrado na categoria dos golpistas. Tomemos o partido de oposição que pretende voltar ao poder nas próximas eleições, o PSDB, pois ontem um dos postulantes à candidatura presidencial, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, manifestou-se com muita clareza a respeito dessa última e mais atrevida turnê eleitoral financiada com dinheiro do bolso de quem é partidário do presidente e de quem não é.
“Acho que o presidente tem todo direito de viajar pelo país. Isso faz parte do jogo político. Eu não me preocupo com essas viagens. Acho que elas são legítimas, da mesma forma que nós, da oposição, de forma extremamente respeitosa, temos de ter nossa estratégia. Isso é a democracia”, disse o governador, num momento de acentuado equívoco.
Pelo seguinte: não se trata de a oposição se preocupar eleitoralmente ou não com as viagens de Lula. Inclusive porque a questão não são as viagens, mas a natureza eleitoral, partidária, portanto, e o fato de transgredirem a lei no que tange ao uso da máquina pública.
A declaração do governador de Minas, sendo ele quem é no cenário político e em particular de seu partido, representa a voz do PSDB. Que, portanto, não apenas aceita que o dinheiro público seja usado pelo governante para financiamento de campanha como, ao achar tudo muito “natural e legítimo”, confessa que faria (se já não faz) o mesmo.
O governador de Minas, e de forma mais contida o de São Paulo, José Serra, acham que fazendo vista grossa a todo e qualquer tipo de transgressão estão sendo politicamente espertos, quando apenas fogem de suas responsabilidades como homens públicos que se pretendem “íntegros”, conforme pregou outro dia o governador Serra. Não contestam coisa alguma, coonestam e assim vão amaciando, “respeitosamente”, o caminho rumo ao Palácio do Planalto.
Pode até ser que a estratégia dê certo sob o ponto de vista eleitoral da oposição. Mas é um desserviço à democracia, que, ao contrário do que parece pensar o governador Aécio, não significa liberdade para transgredir, mas respeito ao direito – e ao dinheiro – de todos.
Modo de operação
O diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência, Wil­­­son Trezza, diz que a Abin não tem como prevenir ações violentas do MST.Considerando a quantidade de atos de violência já cometidos pelos sem-terra, tal declaração se não é fruto de incompetência é produto de conivência.
Dominatrix
Lula controla o Congresso, indicou quase todos (7 dos 11) ministros do Supremo Tribunal Federal, fez a Petrobras retroceder aos tempos de controle político e agora quer dar um chega para lá em Roger Agnelli, porque o presidente da Vale não lhe presta a reverência exigida.
É por essas e muitas outras que o presidente da República vocifera contra os “excessos” do Tribunal de Contas da União. À exceção de seu ex-ministro das Relações Insti­­­tucionais José Múcio Monteiro, Lula não conseguiu emplacar uma indicação ao TCU

os golpes petistas-por dora kramer

Dora Kramer

Caixa único

Fala-se que a Procuradoria-Geral da República não conseguiu demonstrar na denúncia do mensalão a relação de causa e efeito entre pagamentos a partidos e comportamentos de políticos no primeiro governo de Luiz Inácio da Silva.
Alega-se que a cronologia de liberação de recursos não se relaciona de modo perfeito com os painéis de votações da Câmara e do Senado e por isso não estaria provada a existência de um esquema de compra de votos.
Mas não se ouve de ninguém palavra capaz de rebater o que o Supremo Tribunal Federal já decidiu: que o PT se juntou a um esperto para montar um caixa monumental alimentado por desvio de recursos públicos e de empréstimos fraudulentos firmados com instituição bancária cuja estrutura serviu de lavanderia à dinheirama.
Não se discute também que parte desse dinheiro foi destinada a políticos, seja na forma de suas pessoas físicas ou jurídicas. Quanto há isso não há dúvida porque há confissão.
Bem lembrou o relator Joaquim Barbosa no primeiro dia de exame do item relativo ao núcleo político: foram R$ 8 milhões para o PP, R$ 4 milhões para o PTB, R$ 2 milhões para o PMDB e R$ 10 milhões para o PL (hoje PR).
A conta completa (a confessada, bem entendido) somaria cerca de R$ 55 milhões transferidos a partidos aliados.
E aqui está a chave e o ineditismo do esquema. Nunca antes se ouvira falar na existência de um caixa único que o partido do poder financiasse as legendas aliadas no Congresso ou nas eleições.
Pouco interessa se com os recursos foram saldadas dívidas de campanhas, comprados votos, lotes na máquina estatal, alianças eleitorais, ternos, brincos ou braceletes.
O crime reside na compra. De partidos que até a eleição de Lula fizeram a vida como adversários do PT e depois aderiram. Em nome do quê?
Do dinheiro recebido. Não importa a que título.
Ordem desunida
O PT, é verdade, precisa fazer alguma coisa para sair das cordas, embora não haja muito a fazer diante do rumo das coisas.
Mas, daí a convocar o eleitorado para defender o partido nas urnas nessas eleições municipais, já é um risco tremendo. Não fosse também uma incongruência.
Afinal, onde estaria essa militância disposta a atender ao chamado? Nas capitais, como mostram as pesquisas, é que não é.
Recapitulando: o partido já entrou mal nas disputas, independentemente do julgamento, e continua ruim em dianteira, confortável apenas em Goiânia.
Perde feio – note-se, para o DEM – nas capitais de estados que governa (Sergipe e Bahia), tem chance matemática de ir ao segundo turno em seis e no Acre, onde tem o governador, está na frente em Rio Branco por um ponto porcentual em relação ao segundo colocado.
Aí o risco de chamar e não ser atendido.
Vamos à incongruência: a esperança de se produzir uma contabilidade favorável no balanço final de perdas e ganhos estaria, então, nas médias e pequenas cidades.
O problema é que nelas reside um eleitorado menos sensível a convocações de natureza política, de um modo geral distante das questões de cunho nacional.
Pouquíssimo provável que venha a formar exércitos para se jogar numa “batalha do tamanho do Brasil”, como quer a nota divulgada pela direção do PT, na defesa de réus de colarinho-branco cuja condenação atende justamente à demanda geral por igualdade na aplicação da Justiça.
Cenografia
Em um mês e meio, acusados, advogados e correligionários saíram do estado da mais absoluta arrogância para a posição de vítimas.
Recorrem a todo tipo de pieguice na composição de cenas de dor e contrição, invocando prejuízos psicológicos, físicos e familiares nos quais não pensaram quando cederam às facilidades da ilegalidade e ao desfrute das recompensas dela decorrente.

Luiz inácio falou:quero comprar 300 picaretas


Nelson Motta, O Globo
E se Roberto Jefferson não tivesse denunciado o mensalão, como estaria o Brasil hoje?
Pelo que o julgamento do Supremo Tribunal Federal está provando, o PT teria a maior e mais fiel base de apoio do Ocidente, maior até do que a velha Arena da ditadura, presidida por Sarney.
Além dos cargos e boquinhas de sempre, os partidos aliados teriam suas despesas de campanha bancadas pelo PT. Assim, tanto nas votações no Congresso como nas eleições, não seria uma coalizão mas um rolo compressor. A democracia perfeita de Lula e Dirceu.
Seria preciso apenas encontrar novas fontes de financiamento da operação, além dos empréstimos de araque de Marcos Valério no Banco Rural e no BMG e do desvio de dinheiro do Visanet, que não seriam suficientes para pagar as dividas e as campanhas do PT, e as despesas crescentes com a voracidade da base aliada, que quanto mais come mais fome tem.
De onde sairia o dinheiro? Militantes do partido em postos chave na administração pública facilitariam concorrências e superfaturariam campanhas publicitárias e eventos produzidos pelas agências de Marcos Valério, que ficaria com uma parte do butim. Depois era só lavar o dinheiro na Bônus Banval e distribuí-lo aos aliados para garantir a governabilidade sem fazer concessões politicas e a aprovação de seus projetos que — eles tinham certeza — eram os melhores para o povo brasileiro.
Como Lula e Dirceu sabiam melhor que ninguém, pelo menos 300 picaretas estavam à venda no Congresso.
Então, por que não comprá-los para servir ao governo do primeiro operário a chegar à Presidência, para atualizar e fazer as “reformas de base” que derrubaram Jango e Brizola em 64? Era uma causa nobre, um velho sonho, um plano perfeito. Ou quase.
Mais do que um inútil exercício de retrofuturologia, imaginar as consequências funestas da continuidade do mensalão — que não ia parar ali, cresceria e envenenaria o Congresso, as campanhas eleitorais, a democracia e o Estado — serve para dar um suspiro de alívio e agradecer ao procurador-geral e aos ministros do Supremo Tribunal Federal. E ao gesto tresloucado de Roberto Jefferson.

Dirceu,Dilma e tampouco lula nunca lutaram pela democracia


Carlos Alberto Sardenberg, O Globo
Vamos falar francamente: os jovens da esquerda revolucionária dos anos 60 e 70 nunca lutaram pela democracia. Não, pelo menos, por esta que temos hoje e que vem sendo aperfeiçoada desde 1985.
Todos que participaram dos partidos, movimentos, vanguardas e alas daquela época sabem perfeitamente que se lutava pela derrubada do capitalismo e pela implantação aqui de um regime tipo cubano.
E, se não quiserem ou não acreditarem em depoimentos pessoais, basta consultar os documentos produzidos por aqueles grupos.
Poderão, então, verificar, que a única grande divergência entre eles estava no processo. Para alguns, a revolução comunista viria pela guerrilha a partir do campo, no modelo cubano. Para outros, o capitalismo seria derrubado pela classe operária urbana que se formava no Brasil em consequência do próprio desenvolvimento capitalista.
Derrubar o regime dos militares brasileiros não era uma finalidade em si. Aliás, alguns grupos achavam que a instauração de uma “democracia burguesa” seria contraproducente, pois criaria uma ilusão nas classes oprimidas. Estas poderiam se conformar com a busca “apenas” de salários, benefícios, casa própria, carro etc., em vez de lutarem pelo socialismo.
Pois foi exatamente o que aconteceu. E, por uma dessas ironias da história, sob a condução e a liderança de Lula! Uma vez perguntaram a Lula, preso no Dops de São Paulo: você é comunista? E ele: sou torneiro-mecânico.
Uma frase que diz muito. De fato, o ex-presidente jamais pertenceu à esquerda revolucionária. Juntou-se com parte dela, deixou correr o discurso, mas seu comportamento dominante sempre foi o de líder sindical em busca de melhores condições para os trabalhadores da indústria.
Líder político nacional, ampliou seu objetivo para melhorar a vida de todas as camadas mais pobres, não com revolução, mas com crédito consignado, salário mínimo e bolsa família, bens de consumo e moradia, churrasco e viagens. Tudo pelas classes médias.
Mas por que estamos falando disso? Certamente, não é para uma cobrança tardia. É por causa do julgamento do mensalão, mais exatamente por causa das reações de José Dirceu, José Genoino e tantos outros membros do PT.
Os dois ex-dirigentes condenados deram notas escritas, cujo conteúdo tem dois pontos contraditórios.
De um lado, tentam passar uma ilusão, a de que lutavam pela democracia desde os anos 60.
De outro, desqualificam essa democracia ao dizer que a decisão do Supremo Tribunal Federal, poder central no regime democrático, foi um julgamento de exceção e de ódio ao PT, promovido por elites reacionárias que dominam a imprensa e a Justiça.
Eis o velho discurso: a democracia é burguesa, uma farsa que só favorece os ricos.
Ao mesmo tempo, dizem que a vida do povo, dos mais pobres, melhorou e muito sob o governo do PT. Ora, em qual ambiente o PT cresceu, o presidente Lula ganhou e governou? Nesta nossa democracia que, entre outras coisas, levou a este extraordinário momento: Lula e Dilma indicaram os juízes do STF que condenaram Genoino e Dirceu.
O movimento estudantil dos anos 60 e 70 foi uma tragédia. Foram para a política os melhores rapazes e moças. E a política, por causa da ditadura local e da guerra fria global, e mais a ideologia esquerdista então dominante na intelectualidade e na academia, levou à luta armada.
Tratava-se de um tremendo engano político. Como acreditar que uma guerrilha dentro da floresta amazônica poderia terminar com a tomada do poder em Brasília?
Estava claro que a nova classe operária, como os trabalhadores da indústria automobilística, com seu líder Lula, sequer pensava em Cuba, mas sonhava com o padrão de vida dos colegas de Detroit. E os sindicalistas, com posições no governo.
E assim, jovens idealistas e com o sentimento de dever, perderam a vida, foram massacrados em torturas, banidos pelo mundo, famílias arrasadas. É um milagre que tantos deles tenham conseguido recolocar de pé a vida e estejam aí prestando serviços ao país.
Mas não serve para nada tentar esconder essa história. Em vez de tentar mudar o passado, melhor seria uma revisão, uma crítica serena, favorecida pelo tempo passado. Mesmo porque, sem essa crítica, ocorrem as recaídas que, estas sim, podem perturbar o ambiente político.
Felizmente, a democracia, modelo clássico, de Ulysses, Tancredo, Montoro, venceu, não sem uma ajuda dos jovens dos anos 60 e 70.

cúpula do PT condenada,falta o chefe da quadrilha Lula


postado por: Manoel Pastana, procurador da República em atividade no Rio Grande do Sul

A CONDENAÇÃO DE DIRCEU, INEXORAVELMENTE, INCRIMINA LULA
O que se discute aqui é o óbvio: se a teoria do domínio do fato serve para incriminar José Dirceu, a fortiori (com maior razão), também serve para incriminar Lula. 
Desde o início do julgamento do mensalão, percebe-se nítida divergência entre o relator, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandwski. Contudo, na parte em que trata do acusado José Dirceu, a divergência ficou bem mais acentuada. O voto do relator é parecido com uma peça acusatória. Por outro lado, o voto do revisor nada se diferencia de uma peça defensiva.
Peço vênia aos dois ministros, mas estou apenas constatando uma realidade que, aliás, será consignada no livro que lançarei em breve.
O relator afirma que há provas abundantes da culpa de Dirceu. Em sentido contrário, o revisor diz que não há prova alguma. A realidade é que a prova técnica contra Dirceu é extremamente frágil. Nesse diapasão, pela ótica dos princípios que norteiam o processo penal, o revisor tem razão, mormente porque, Jefferson, que poderia ser utilizado como testemunha ou delator, beneficiado pela delação premiada, foi incluído no processo como acusado, fragilizando por demais o viés probatório da revelação que fez sobre o esquema criminoso.
Ocorre que o cenário delitivo é gigantesco e aí fica difícil não enxergar a lógica, isto é, a ação dos que estão por trás dos executores. Aliás, a ministra Rosa Weber, invocando “a lógica autorizada pelo senso comum”, ressaltou que na Justiça Trabalhista ela proferiu diversos votos, sob a inspiração de Malatesta, no sentido de que “o ordinário se presume, só o extraordinário se prova”.
Conquanto esse entendimento possa ter agasalho nas lides laborais, em matéria penal, ao meu sentir, ele acutila os princípios da verdade real, presunção de inocência e in dubio pro reo. 
Em socorro ao raquítico quadro probatório, que poderia ser derrubado pelo princípio do in dubio pro reo, os ministros que fazem divergência ao revisor invocaram a teoria do domínio do fato, importada do direito alemão.
Ocorre que a teoria do domínio do fato não dispensa prova, caso contrário, estar-se-ia institucionalizando a punição pela simples relação hierárquica. Assim, por exemplo, o chefe da repartição seria punido por crime ocorrido na sua área de atuação, independente da relação de causalidade, dolo ou culpa, bastando haver relação lógica de que ele, como chefe, teria o domínio da situação.
Isso fere os princípios que norteiam a responsabilidade penal subjetiva. Daí a condenação de Dirceu surpreender muita gente, inclusive eu, que não acreditava que iria acontecer, mas que hoje é uma realidade (…).
Como disse em artigo anterior, o STF pode tudo, uma vez que é a última instância na dicção do direito. Assim, pragmaticamente, é despiciendo discutir o acerto ou erro da decisão condenatória (…). O que se discute aqui é o óbvio: se a teoria do domínio do fato serve para incriminar José Dirceu, a fortiori (com maior razão), também serve para incriminar Lula.
Nesse sentido, como o relator consignou que o “elevadíssimo cargo” que era ocupado por Dirceu lhe conferia o domínio do fato. Por razão maior, o cargo máximo que era ocupado por Lula lhe coloca em situação de responsabilidade superior.
Depoimentos desmentem que Lula “não sabia de nada”
Aliás, se em relação a Dirceu, o depoimento de Jefferson não foi confirmado por outras testemunhas, o mesmo não aconteceu em relação a Lula. Segundo o voto do relator, o depoimento de Jefferson, dando conta de que informara ao ex-presidente a existência do mensalão, teve ampla confirmação.
Vejamos trecho do voto: “A testemunha (refere-se a Arlindo Chinaglia) também confirmou que participou de reunião em que o acusado ROBERTO JEFFERSON informou ao presidente Lula sobre a existência dos pagamentos. Aliás, todos os interlocutores citados por ROBERTO JEFFERSON – senhores Arlindo Chinaglia, Aldo Rebello, Walfrido dos Mares Guia, Miro Teixeira, Ciro Gomes e o próprio ex-presidente da República – confirmaram que foram informados, por ROBERTO JEFFERSON, nos anos de 2003 e 2004, sobre a distribuição de dinheiro a parlamentares para que votassem a favor de projetos do interesse do governo.
Portanto, muito antes da decisão de ROBERTO JEFFERSON de delatar publicamente o esquema.” Isso desmente o ex-presidente Lula de que “não sabia de nada” sobre o mensalão.
O ministro Joaquim Barbosa também consignou no voto que “o senhor Ricardo Espírito Santo Salgado, presidente do banco Espírito Santo, afirmou que manteve várias reuniões, diretas e pessoais, com o próprio presidente da República.”
O nome de Lula está em várias partes do voto do relator, de forma a não deixar dúvida alguma de seu envolvimento com o esquema criminoso
Ora, o que o presidente de um banco privado faria em reunião direta e pessoal com o presidente da República?
A resposta a esse questionamento pode ser vista em outro trecho do voto do relator: “Roberto Jefferson disse em depoimento prestado à PF e confirmado em juízo, o seguinte: Que José Dirceu afirmou ao declarante que o PT estaria sem recursos para cumprir o acordo, uma vez que a Polícia Federal havia prendido 62 doleiros. Que em um encontro ocorrido no início de janeiro de 2005, o então ministro afirmou que havia recebido, juntamente com o presidente Lula, um grupo da Portugal Telecom com o Banco Espírito Santo, que estaria em negociações com o governo brasileiro. Que José Dirceu afirmou que haveria a possibilidade de que referido grupo econômico pudesse adiantar cerca de oito milhões de euros, que seriam repartidos entre o PT e o PTB.”
O nome do ex-presidente Lula está em várias partes do voto do relator, de forma a não deixar dúvida alguma de seu envolvimento com o esquema criminoso.
Mas não é só isso.
Lula praticou atos que se enquadram no Código Penal
Ao contrário de Dirceu, que não praticou nenhum ato material, pelo menos não deixou rastro disso, Lula praticou atos materiais, que se enquadram como uma luva nos artigos 13 e 29 do Código Penal.
Senão vejamos.
Duas foram as principais fontes de recursos do mensalão. A primeira está relacionada aos contratos fraudulentos com as empresas de publicidade de Valério. Para viabilizar a contratação de tais empresas, foi editado o decreto 4.799/2003 [o decreto tratava de detalhes sobre a política de comunicação do governo federal], que além de afastar o incômodo da licitação, permitindo a contratação direta, conferiu poderes a Valério para funcionar como uma espécie de administrador de recursos públicos.
Esse decreto foi assinado pelo ex-presidente Lula, a mando de quem não se sabe, mas a assinatura é dele.
Outra importantíssima fonte de recursos do mensalão veio de empréstimos consignados em folha de pagamento aos aposentados do INSS.
Primeiro foi editada a Medida Provisória 130, que criou os empréstimos. Assim, que foi publicada a MP, o banco BMG, envolvido no esquema [do mensalão], procurou habilitar-se para fazer tais empréstimos.
Contudo, não obteve êxito, porque um inconveniente parecer da Procuradoria Federal do INSS aduziu que os empréstimos somente poderiam ser realizados por bancos públicos, pagadores de benefícios previdenciários. O empecilho foi superado com a edição do decreto 5.180/2004, dispondo expressamente que mesmo banco privado, ainda que não fosse pagador de benefício previdenciário, poderia se habilitar.
Graças à explicação do referido decreto, o BMG logrou êxito à habilitação.
Tanto a medida provisória como o decreto foram assinados pelo ex-presidente Lula, a mando de quem não se sabe, mas a assinatura é dele.
Lula enviou dez milhões de cartas a aposentados anunciando a “novidade” dos empréstimos consignados. O BMG, com apenas 10 agências, faturou 3 bilhões de reais — mais do que a CEF
Além da assinatura do “democrático” decreto, que inclusive levou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a representar criminalmente contra o ex-presidente, arquivada pelo então procurador-geral da República Antonio Fernando, Lula enviou mais de dez milhões de cartas (assinadas por ele) a aposentados, anunciando a “novidade” dos empréstimos, o que fez o BMG, com apenas dez agências, faturar três bilhões de reais, superando a Caixa Econômica, com suas duas mil agências.
Vale lembrar, que o BMG “emprestou” bastante dinheiro ao PT, sem qualquer garantia.
Dispõe o artigo 13 do Código Penal: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.”
Considerando que as duas principais fontes de recursos do mensalão decorreram de atos praticados por Lula, não resta dúvida de que, se não fosse ele, o resultado não teria ocorrido (como ocorreu).
Assim, de acordo com o artigo 29 do Código Penal que dispõe: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”, Lula teria que ter sido acusado, nem precisaria invocar a teoria do domínio do fato, porquanto a conduta dele está inserida na cadeia de causalidade, sendo que há provas abundantes disso, inclusive do dolo.
Agora, com a condenação de Dirceu, o procurador-geral não tem como deixar Lula impune
A propósito, por causa dessa aberrante omissão, representei contra o ex-procurador-geral da República (PGR) Antonio Fernando, autor da denúncia do mensalão, a fim de que fosse apurado crime de prevaricação, por ele ter deixado Lula fora da acusação, não obstante o ex-presidente ter praticado atos escandalosamente destinados a fomentar o esquema criminoso.
A representação foi arquivada, sem que o mérito tenha sido enfrentado.
No ano passado, representei ao PGR, Roberto Gurgel, apontando fatos que indicam o envolvimento do ex-presidente Lula no esquema do mensalão, que inclusive sustentam ação de improbidade contra ele, em trâmite na 13ª Vara Federal do Distrito Federal.
Recentemente, Gurgel arquivou a representação, alegando que os fatos nela contidos são objetos de apuração no inquérito policial 2.474, que tramita no STF desde março de 2007.
Agora, com a condenação de Dirceu que, por diversas vezes, falou que nada fazia sem o conhecimento e a anuência de Lula, bem como as várias passagens do voto do relator, apontando o envolvimento direto do ex-presidente, sem contar que na teoria do domínio do fato, Lula estava acima de Dirceu, não tem como deixá-lo impune.
Lula não é uma entidade para ficar incólume à lei nem é um idiota, para não responder pelos seus atos, porquanto, ainda que não tivesse discernimento algum, deveria ser submetido à medida de segurança, nos termos do artigo 97 do Código Penal.
Para saber mais sobre a realidade do mensalão, que não sai nos boletins oficiais, vide os artigos: “Mensalão: o que poucos sabem, e o Brasil deveria saber”; “Lula, Dirceu e os Tuiuiús: a realidade oculta do mensalão”, bem como outros artigos que estão no meu site.





José Dirceu condenado por corrupção


STF condena Dirceu, senhor do PT e do mensalão

Sete anos depois do estouro do mensalão, a Justiça brasileira condenou o homem forte do primeiro governo Lula pelo crime de corrupção ativa

reportagem do site
Após sete anos do estouro do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou José Dirceu de Oliveira e Silva, o político que arquitetou o maior esquema de corrupção já organizado na república, para tentar perpetuar um partido no poder.
Às 19h07 horas desta terça-feira, com o voto do ministro Marco Aurélio de Mello, seguindo o relator Joaquim Barbosa, a mais alta corte do país formou maioria para condenar o ex-chefe da Casa Civil do governo Lula pelo crime de corrupção ativa - também votaram como ele Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luiz Fux e Gilmar Mendes. A tendência é que os demais ministros profiram votos similares. Somente Ricardo Lewandowski e José Dias Toffoli, que já advogou para o PT, votaram pela absolvição. "José Dirceu realmente teve uma participação acentuada nesse escabroso episódio", disse Marco Aurélio ao sentenciar o destino do petista.
O tempo da pena e o regime em que ela será cumprida ainda são incertos. Dirceu ainda será julgado por formação de quadrilha no curso da ação penal. A depender do veredito nessa acusação, ele tanto poderá passar alguns anos trancafiado quanto cumprir sua pena em regime aberto. Já inelegível até 2015, Dirceu talvez se veja banido, definitivamente, da vida pública.
Dirceu assumiu o comando do Partido dos Trabalhadores em 1995, depois de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva amargar sua segunda derrota na disputa pela Presidência da República. Aos poucos, conquistou a hegemonia no interior do partido. Empurrou os radicais do PT para as margens e abriu espaço para alianças com outras legendas, independentemente de alinhamento ideológico. O resultado do arranjo foi a vitoriosa eleição de Lula para presidente em 2002. 
Na época, Dirceu saiu das urnas como o segundo deputado federal mais votado, com 556.768 votos. Não começou a exercer o mandato imediatamente porque seu papel na máquina era maior: ele seria o “capitão do time”, nas palavras do próprio Lula, o timoneiro de um governo em edificação. Como mostrou a Justiça brasileira, na argamassa desse edifício entravam a corrupção e o assalto aos cofres públicos. 
A derrocada política, após ter sido cassado e apontado pela Procuradoria-Geral da República como o chefe do mensalão, não freou os ímpetos de Dirceu. Nas eleições de 2010, quando seu nome era quase proibido na campanha presidencial, ele discursou para petroleiros em Salvador: “A eleição da Dilma é mais importante do que a eleição do Lula, porque é a eleição do projeto político, porque a Dilma nos representa. A Dilma não era uma liderança que tinha uma grande expressão popular, eleitoral, uma raiz histórica no país, como o Lula. O Lula é maior do que o PT”. A frase revela como poucas a essência de Dirceu – um homem que vivia para o PT e, em certo sentido, era o partido.  
É por isso que a condenação desta terça-feira equivale à condenação de um projeto de poder – da tentativa petista de se imiscuir nas engrenagens do estado por todos os meios – da nomeação de milhares de funcionários de confiança para cargos na administração à compra de “consenso” no Congresso, com a corrupção de parlamentares.