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20.9.09

lula quer dinheiro do pré-sal para engordar somente os petistas safados

maílson da nóbrega

Os avanços institucionais que consolidaram a democracia (malgrado suas deficiências) e criaram barreiras ao voluntarismo na gestão macroeconômica permitem uma visão otimista do Brasil. Morreu a torta ideia de que a inflação ajuda a desenvolver o país. A estabilidade política e econômica tem bases sólidas.
O risco deslocou-se para o terreno do crescimento. O desafio é concluir a transição para uma economia capitalista e próspera, o que exige reformas para elevar a qualidade da educação, do ambiente de negócios e da logística.
Nada garante, todavia, que galgaremos o status de nação rica. Países cometem erros e perdem oportunidades. Más decisões, influenciadas por grupos que miram interesses de curto prazo, podem minar os de toda a sociedade a longo prazo.
Em recente livro – False Economy: a Surprising Economic History of the World –, Alan Beattie, doFinancial Times, assinala que na trajetória de um país desempenham papel importante o acaso e as escolhas feitas por seus líderes (para o bem e para o mal). Um caso emblemático é o da Argentina.
No princípio do século XX, a Argentina rivalizava com os Estados Unidos. Ambos surfavam a primeira onda de globalização. Eram nações jovens e dinâmicas, com terras férteis e exportadores confiantes. A Argentina, então uma das dez nações mais ricas do mundo, tinha renda per capita superior à da França.
A partir dos anos 30, escolhas erradas e crises políticas contribuíram para a ascensão de Juan Domingo Perón à Presidência (1946), o que seria a mais desastrosa aventura populista da América Latina. Veja-se, a propósito, o artigo de Lee Alston e Andrés Gallo, "Electoral fraud, the rise of Perón and demise of checks and balances in Argentina" (nber.org/papers/w15209).
Perón se guiou pelo redistributivismo e pelo nacionalismo inconsequentes, substituição extremada de importações e tributação das exportações. A inflação e as crises se sucederam até os dias atuais. A Argentina ficou para trás.
O Brasil corre o risco de repetir a Argentina e desperdiçar a oportunidade advinda das reservas do pré-sal. Como no caso dos argentinos e de outros povos que cometeram erros semelhantes, a mudança do modelo regulatório se guia por interesses eleitorais imediatos, pelo nacionalismo démodé e por uma visão estatizante.
Argumentos em prol do modelo de partilha beiraram o delírio: o desequilíbrio crescente entre oferta e demanda de petróleo agravaria conflitos para acesso às reservas. Lembrou-se a invasão do Iraque, sugerindo que os Estados Unidos poderiam tentar a tomada do pré-sal. Se fosse assim, a saída não seria transferir ao estado a comercialização do petróleo, mas nos tornarmos capazes de enfrentá-los.
A guinada estatizante buscou desqualificar quem defende o modelo de concessão. Seria ingênuo pensar que o mercado de petróleo se rege pela livre concorrência. Nenhuma alma viva falou nisso. Ninguém pode pegar umas sondas por aí e furar poço livremente. O regime de concessão tem regras de entrada e limita o acesso às reservas.
A retórica populista de Lula esteve presente no lançamento do novo modelo, na incitação do povo a pressionar o Congresso e no tratamento deselegante e aleivoso ao seu antecessor. Ele disse que prefere ser acusado de estatizante a ser chamado de vendilhão. O alvo é um eleitorado em boa parte sensível a esse palavreado.
A parte da União no Fundo Social será aplicada de forma discricionária pelo Executivo. Na prática, será um orçamento paralelo, manipulável por políticos e burocratas. Um convite ao desperdício e outras coisas mais.
A ideia de substituição de importações ressuscitou. A Petrobras reeditaria o nacional-desenvolvimentismo, exigindo maiores índices de nacionalização de equipamentos. O filme é conhecido: bens mais caros e menos eficientes. A indústria precisa de reformas que reduzam custos sistêmicos, não de proteção indutora de baixa produtividade e em benefício de poucos.
A maldição do petróleo não deriva apenas da excessiva valorização cambial (a "doença holandesa"), mas também do desperdício e da corrupção, de que padecem nações que escolheram a estatização e o modelo de partilha. Podemos comprar um bilhete rumo a um passado que se julgava sepultado.

entrevista com FHC

entrevista concedida à Veja

Fernando Henrique Cardoso é dono de uma biografia extraordinária. Sociólogo brilhante, como político teve papel relevante na redemocratização do país, criou o Plano Real, foi o primeiro presidente da República reeleito da história do Brasil e hoje é presidente de honra do PSDB. Agora, aos 78 anos, decidiu jogar o peso de sua imagem em favor de uma causa polêmica, a descriminalização da maconha, tema do documentário Rompendo o Silêncio, que aceitou estrelar e que será dirigido pelo jovem Fernando Grostein Andrade (diretor de Coração Vagabundo, sobre Caetano Veloso). O documentário só será lançado depois das eleições presidenciais. FHC afirma que nunca fumou cigarros comuns, tampouco os de THC, tetra-hidrocanabinol, a substância psicoativa da maconha.
O senhor sempre foi favorável à descriminalização da maconha, mas nunca havia defendido a ideia abertamente. Por que decidiu fazer isso agora?
De fato, é uma preocupação antiga. A Secretaria Nacional Antidrogas, criada quando fui presidente da República, já formulava a ideia de que não adianta só reprimir. Essa iniciativa minha, portanto, não é algo inteiramente novo e deriva de uma única preocupação: a forma como vem sendo conduzido o combate às drogas nos países americanos. As coisas vão mal nessa área.
O que o levou a essa constatação?
Em março, em Viena, houve uma avaliação dos esforços feitos nos últimos dez anos. Nesse período, prevaleceu a posição americana de que era necessário empreender uma guerra total de repressão às drogas. Só que esse projeto envolveu muito dinheiro e apresentou pouco resultado. A violência aumentou e não houve a diminuição nem da produção nem do consumo. A Colômbia, por exemplo, fez esforços extraordinários e conseguiu um grande avanço sobre os guerrilheiros, desorganizou muita coisa dos cartéis, mas, mesmo assim, chegou a uma situação paradoxal: teve um aumento na produtividade do plantio da droga. Isso porque, enquanto ela diminuiu a área cultivável, os contrabandistas compensaram a perda aumentando a produtividade por meio do uso de técnicas mais modernas de plantio. Além disso, houve uma transferência dos cartéis colombianos para o México e lá a coisa ficou muito séria, porque o país não estava institucionalmente preparado, como a Colômbia, para fazer frente ao desafio.
Qual foi a falha fundamental da política americana de combate às drogas?
Primeiro, não se pode dar uma receita única para todos os países. Eles têm especificidades: um é produtor, outro é só consumidor, um é mais liberal do que outro. Não adianta prescrever uma saída única para todos. Depois, não se pensou na redução do consumo, mas apenas em frear a produção. É preciso mudar o paradigma: além de pensar numa política de redução do consumo, deve haver também uma política de diminuição do dano. O usuário precisa ter assistência médica. Nos Estados Unidos, agora é que começa a haver uma pequena mudança. Nessa reunião em Viena, os americanos concordaram que seria possível oferecer seringas aos drogados como forma de diminuir a disseminação de doenças contagiosas. Até então, nem isso era aceito. O usuário era visto como alguém a ser punido.
Os modelos europeus seriam mais eficientes?
A Europa tem experiências variadas, mas segue mais em outra direção: o usuário é visto como um problema médico e o traficante como bandido. Essa matéria é muito delicada, e é preciso deixar claro que eu não estou dizendo que a droga não faz mal. As drogas causam danos, todas elas. Há estudos que mostram que a Cannabis pode levar à esquizofrenia. Então, não é "liberou geral", tem de haver um controle. Mas acho que, no caso dos usuários, é possível dizer que o melhor é descriminalizar.
"Eu diria às mães: o fato de o fruto ser proibido é que dá mais vontade no seu filho de experimentá-lo. E diria que elas têm de falar que a droga pode fazer mal, mas sem demonizá-la"
Muitas mães pensam da seguinte maneira: "Meu filho adolescente não fumou maconha até hoje, entre outros motivos, porque ele sabe que, no mínimo, pode ir parar na delegacia por causa disso. No entanto, se fumar maconha deixar de ser crime, meu filho poderá perder esse receio e ficar mais perto das drogas". O que o senhor diria a essas mães?
Eu diria o seguinte: o fato de o fruto ser proibido é que dá mais vontade no seu filho de experimentá-lo. E diria que elas têm de tomar cuidado e estar o tempo todo dizendo a ele que aquilo pode fazer mal. Mas não adianta falar que não dá prazer. Se elas dizem isso, o filho pode responder: "Ah, mas o meu amigo fumou e não é nada disso". A imagem mais apropriada a ser usada para fazer um alerta é a da sereia. Se você ceder ao seu beijo, meu filho, ela vai levá-lo para o fundo do mar. Quer dizer, embora você possa ter um prazer momentâneo, isso vai ter um preço.
Mas se, como o senhor diz, a proibição funciona como um atrativo, por que há indícios de que o consumo da maconha aumentou no Brasil depois da lei que, em 2006, substituiu a prisão de usuários por punições alternativas?
Eu não tenho esse dado. Há muita ideologia nessa discussão e a gente tem de ir com cuidado. Essa mudança é muito recente e não há nem tempo para esse tipo de avaliação. Agora, ninguém está aqui para dizer que a droga deve ser incentivada. Estamos aqui para falar o seguinte: os mecanismos que vêm sendo usados para combater as drogas estão surtindo resultados frustrantes. Vamos buscar outros mecanismos para reduzir o consumo. O dado de Portugal é ilustrativo: o país não descriminalizou a maconha, liberou. E o consumo diminuiu.
Liberar significa não só descriminalizar como permitir o acesso legal à droga. O senhor considera que esse pode ser um modelo para o Brasil?
Eu não considero, não. Preciso examinar melhor isso. Por enquanto, só estou tomando conhecimento: Portugal fez isso e o resultado foi esse. Alguma coisa tem de ser feita e não dá para ficar preso à ideia de que se resolve o problema na base do prende, mata, esfola. Por outro lado, é preciso estar sempre insistindo: bandido é bandido e tem de ser posto na cadeia, não se pode confundir as coisas.
Descriminalizar o uso não significa, então, descriminalizar o comércio. Ou seja, para que o usuário tenha acesso à droga, terá de entrar em contato com criminosos. Como se resolveria essa questão?
Essa questão ainda está para ser discutida. A sociedade tem de, pouco a pouco, tomar consciência sobre o que fazer. Não existe receita, não estou dando uma receita. Estou dizendo que acho que é necessário mudar o paradigma: em vez de concentrar todos os esforços na repressão, você poupa os recursos existentes para as campanhas educacionais e para a busca da redução do consumo.
E por que não fazer as duas coisas concomitantemente, como no modelo sueco, que investe fortemente na prevenção e na repressão dura?
A repressão tem de ser dura mesmo. Mas não adianta ser dura com o consumidor. Se você o colocar na cadeia, ele vai continuar fumando, só pagará um preço mais alto por isso.
Mas, no Brasil, desde 2006, ninguém vai mais para a cadeia por fumar maconha.
O problema do Brasil é outro: é a dubiedade da legislação. Ela não faz a distinção clara entre o usuário e o traficante, e isso dá margem à extorsão por parte da polícia. Aqui, o problema não é a ideologia repressora, é a malandragem que essa zona cinzenta permite. Mas um deputado, que é inclusive do PT, já está preparando uma lei para resolver isso.
Como o senhor lidou com o assunto na adolescência de seus filhos?
A adolescência deles foi bem diferente da minha. Na minha, não havia essas questões. Eu não fumei nem cigarro e só vim a tomar álcool depois de casado. Meu pai era militar, puritano, eu não tive experiência pessoal com isso...
Mas o senhor já declarou que fumou maconha uma vez em Nova York e não gostou.
Eu não fumei uma vez, eu senti o cheiro do cigarro uma vez em Nova York...
Não tragou.
Eu não sei tragar nem cigarro! Mas depois de falar isso quase me liquidaram, dizendo que eu era maconheiro. Eu sou muito sóbrio com essas coisas, não fumo cigarro, nunca vi cocaína na minha vida.
Voltando à experiência com seus filhos.
Sim, eles não gostam muito que eu fale sobre isso. Mas vamos lá: em 1971, eu era professor em Stanford e eles estavam no colégio. Guerra do Vietnã, ecos da Califórnia, aquela coisa liberal e tal. Nós recebíamos em casa um boletim em que a escola dava a proporção de crianças que tinham experimentado cada droga: 10%, 15%, uma coisa assustadora. Eu e a Ruth conversávamos com eles sobre o assunto. E, que eu saiba, eles nunca tiveram nenhum problema com isso. A verdade é a seguinte: as estatísticas mostram que a quantidade de pessoas que, numa determinada fase da vida, provaram maconha, e até cocaína, é muito grande. E a quantidade de pessoas que persistiram no uso não é.
Mas estudos indicam que a maconha, se não é necessariamente uma porta de entrada para outras drogas, é ao menos um fator de risco para isso.
Eu diria que pode ser. E que as pessoas têm de ter cuidado com isso. Mas o álcool e o cigarro também podem ser fatores de risco. Você tem de ter cuidado sempre. Eu não tenho base científica para dizer se isso é verdade ou não. Eu quero reiterar que não sou um especialista no assunto. Entrei nessa história por razões políticas e democráticas, movido pela percepção de que as coisas vão mal.
Em 1994, quando era candidato à Presidência da República, o senhor se recusou a falar sobre a descriminalização da maconha, sob o argumento de que sua opinião poderia ser explorada politicamente. Não teme que isso ocorra agora, às vésperas das eleições presidenciais de 2010?
Mas eu não estou nessa eleição. Não sou candidato e não estou opinando como líder político. Estou falando como intelectual.
"Nunca conversei com ninguém do PSDB sobre isso e quase posso assegurar que a maioria do PSDB pensa como o homem comum – e o homem comum tem horror de pensar nesse assunto"
Mesmo assim, o senhor não receia que o ônus dessa posição possa recair sobre seu partido?
Acho que nós temos de evitar essa armadilha. Quando eu era presidente, não criei uma secretaria para trabalhar pela prevenção? Eu não estou dizendo: "Fume maconha". Estou dizendo: "Fumar maconha faz mal e nós temos de tratar quem fuma".
Mas, para grande parte da população, o usuário de maconha é o "maconheiro", palavra que está associada a marginais e drogados em geral.
Veja bem, eu fui vítima disso e fui presidente da República duas vezes. O Obama disse que fumou maconha – teve a coragem de dizer, com tranquilidade – e está lá, presidente da República. Então, temos de acabar com esse atraso. Estou aqui tratando de ver qual é a melhor maneira de reduzir os danos que a droga causa. Politicamente, é isso.
O que as pessoas mais próximas do senhor no PSDB pensam sobre o assunto?
Eu nunca conversei com ninguém do PSDB sobre isso e quase posso assegurar que a maioria do PSDB pensa como o homem comum – e o homem comum tem horror de pensar nesse assunto. Mas, como se trata de um drama social, ou se toma consciência de que temos de fazer algo diferente do que temos feito, sem covardia e sem leniência, ou seremos irresponsáveis. Alguém tem de ter coragem de dizer essas coisas. Agora, certamente, o pessoal pode ficar chateado... Mas eu não sou candidato, sou só presidente de honra do partido.

lula traidor dos pobres metendo a mão na poupança do trabalhador

Depois de muito protelar, o governo finalmente anunciou as novas regras para a caderneta de poupança. Uma alíquota única de imposto de renda, de 22,5%, vai incidir sobre as cadernetas com saldo superior a 50 000 reais. A taxação será feita sobre o valor que exceder esse patamar (veja o quadro abaixo). Se for aprovada, a mudança valerá a partir de janeiro de 2010. Atingirá apenas 1% das contas, que representam mais de 40% do volume de recursos da poupança, hoje superiores a 282 bilhões de reais. Mesmo deixando de fora a esmagadora maioria dos poupadores, as novas regras não têm apoio nem da base aliada. É mesmo uma decisão política difícil mexer no investimento mais popular do Brasil, mas não havia como escapar.
O objetivo da mudança é recuperar o fôlego dos fundos de investimento, que perderam atratividade para a poupança com a queda dos juros. Zelar pela saúde dos fundos é importante porque eles são grandes compradores de títulos públicos, papéis com os quais o governo capta recursos e rola sua dívida sem emitir dinheiro nem produzir inflação. Essa harmonia fica ameaçada se as cadernetas competirem com os fundos. Além de criar dificuldades para o país financiar sua dívida, uma enxurrada de depósitos na poupança concentraria recursos em financiamento imobiliário, no qual os bancos são obrigados a aplicar 65% dos depósitos. Isso acarretaria escassez de crédito em outros setores, pressionando os juros novamente para cima.
O problema é que o governo não mexeu no principal. As cadernetas são atraentes porque têm rendimentos fixados por lei. Essa regra foi criada num período de inflação descontrolada, e servia não só para proteger o pequeno poupador, mas para incentivar o crédito imobiliário. Agora isso não faz mais sentido, mas optou-se por não corrigir essa distorção. E o motivo está nas eleições do ano que vem. "O governo preferiu empurrar com a barriga. Criou uma medida transitória, para evitar o desgaste político de mexer na caderneta", diz o professor Alexandre Assaf Neto, da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, ligada à USP. Na avaliação dos especialistas, existe outro problema. A taxação é insuficiente para tornar a caderneta menos atraente que os fundos. Dependendo da taxa de administração cobrada pelos bancos, ela pode continuar oferecendo rendimento melhor.

a desigualdade social piorou no governo lula

CLÓVIS ROSSI A lenda continua viva

O IBGE insiste em escamotear a realidade com os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio). Pior: a mídia compra acriticamente a lenda da queda da desigualdade, o que é uma versão incompleta da realidade.
O tal índice de Gini, o que reflete a desigualdade, "mede a diferença entre as rendas que remuneram o trabalho, portanto, não leva em conta as rendas do capital: juros e lucro", escreveu João Sicsú, que vem a ser o principal economista do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, instituição do governo).
Passemos agora a palavra ao chefe de Sicsú, Marcio Pochmann, presidente do Ipea: "A parte da renda do conjunto dos verdadeiramente ricos afasta-se cada vez mais da condição do trabalho, para aliar-se a outras modalidades de renda, como aquelas provenientes da posse da propriedade (terra, ações, títulos financeiros, entre outras)".
Então fica combinado que caiu apenas a desigualdade entre os assalariados, que, como explica Pochmann, nem é a mais importante, já que os ricos veem sua renda "afastar-se cada vez mais da condição do trabalho".
Desconheço números recentes para medir a desigualdade não apenas entre salários mas no conjunto das rendas. De todo modo, o já citado Pochmann escreve que "em 2005, a participação do rendimento do trabalho na renda nacional foi de 39,1%, enquanto em 1980 era de 50%. Noutras palavras, a renda dos proprietários (juros, lucros, aluguéis de imóveis) cresceu mais rapidamente que a variação da renda nacional e, por consequência, do próprio rendimento do trabalho".
Note, leitor, que o crescimento da desigualdade de renda se deu pelo menos até 2005, o que cobre sete dos dez anos em que o IBGE diz que diminuiu a desigualdade. Não mente, mas omite o relevante, o desnível capital/trabalho. 

etanol do lula é uma merda

À primeira vista, representa um avanço o ranking de carros poluidores apresentado pelo Ibama na semana que passou. Porém, como tudo que vem do governo (qualquer governo), ainda mais quando está envolvido o espetacular ministro Carlos Minc, é bom tirar o pé do acelerador do entusiasmo. Em especial se o seu carro for flex.
O álcool combustível, agora renomeado com a marca globalizada de "etanol", é um trunfo do Brasil. Fruto de um programa nacionalista e intervencionista da ditadura militar, o Proalcool, virou campeão ambiental.
Em nenhum outro lugar do mundo se obtém etanol na quantidade e com a produtividade permitida pela cana-de-açúcar por aqui -agora já sem nenhum subsídio estatal.
O álcool pode ser considerado um combustível mais "limpo" porque o carbono que lança na atmosfera, na forma de gás carbônico (CO2), é reutilizado na próxima safra de cana enquanto as plantas crescem. O CO2 é a matéria-prima da fotossíntese. Apenas com ele, água e luz (energia solar), os vegetais produzem a biomassa cuja energia química usufruímos, antes de mais nada como alimento.
O reaproveitamento do carbono no ciclo de produção do etanol não é completo, mas quase. Algum CO2 adicional é emitido no processo, por exemplo com o uso de fertilizantes.
Cerca de 90%, porém, deixam de ser emitidos na atmosfera.
A gasolina polui muito mais, nesse sentido. Todo o carbono emitido em sua queima é uma contribuição nova para engrossar o cobertor de gases que agravam o efeito estufa e alimentam o aquecimento global.
Antes de ser extraído o petróleo, seus hidrocarbonetos repousavam nas profundezas do subsolo e do pré-sal. É essa energia química, fixada por plantas e microrganismos fotossintetizadores há milhões de anos, que impulsiona veículos a gasolina, diesel e gás natural, por isso chamados de combustíveis fósseis.
A clara vantagem antipoluição do álcool foi de certa forma -uma forma canhestra- reconhecida no trabalho do Ibama, lançado às pressas por Minc. Como não dá para comparar álcool e gasolina nesse quesito, tamanha a desvantagem da segunda, ele foi omitido da "nota verde". A emissão de CO2 está numa pontuação separada, só para veículos a gasolina.
Resultado: no ranking que todo mundo viu e comentou, vários modelos a álcool (na realidade, carros flex abastecidos com etanol para o teste) aparecem entre os mais poluidores.
Do ponto de vista das emissões que fazem mal para a saúde, trata-se de informação significativa. Há razões para crer, contudo, que o álcool ficou pior na fita do que deveria.
Passando por cima da outra nota, a mais relevante para o problema igualmente decisivo do aquecimento global, muitos jornalistas concluíram -e deixaram isso claro nos títulos- que carros a álcool poluem tanto quanto ou mais que outros a gasolina. Uma informação que, na melhor das hipóteses, está incompleta.
Mesmo no que diz respeito à contribuição de veículos a álcool para a má qualidade do ar nas cidades, há motivos para pisar no freio. Vários motivos: enxofre, benzeno, olefinas, formaldeídos -emissões em que o álcool em geral se sai melhor. Nenhum deles entrou na "nota verde", que só considera monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio e hidrocarbonetos.
Se o saldo da publicação do ranking for a conclusão, entre consumidores, de que abastecer o carro com álcool polui tanto quanto fazê-lo com gasolina, Minc acaba de dar mais um tiro no próprio pé -o do acelerador.
Marcelo Leite Tiro no próprio álcool

mediocridade de crescimento e nada a comemorar

AO FIM DOS anos de governo FHC e Lula, o Brasil parece entrar na era da mediocridade sustentável. É o que sugerem os dados da Pnad do IBGE, a mais completa pesquisa socioeconômica do país, divulgada na sexta-feira. Haverá ainda duas Pnads relativas aos anos Lula (2009 e 2010), mas, excetuadas catástrofes, os números não dirão mais nada de diferente e relevante. Mudanças socioeconômicas são lentas, ainda mais por aqui.
Em meados da década, a Pnad causou alguma excitação. Indicava que a desigualdade de renda caía de modo quase contínuo. Como a partir de 2004 o consumo e o PIB também passaram a crescer, houve uma conjunção de queda da injustiça e da penúria, daí a animação. Agora, o Brasil se torna um país "mais normal", como gostam de dizer os economistas. A melhoria incremental indicada pela Pnad não causa sensação. Tampouco causa revolta, mas letargia, o nosso horror remediado.
A satisfação com o estado de coisas, a nossa era das expectativas reduzidas, o estado de coma da política maior e o baixo custo de aquisição da boa vontade popular produziram essa paz social. A vitória federal do PT e seu travestimento ideológico contribuíram para a "grande moderação" nas lides políticas e sociais.
Mas, no ritmo da melhoria da última década, levará 25 anos para que o Brasil se torne tão desigual quanto os EUA de hoje, o mais desigual dos países ricos, ou uns 15 anos para se assemelhar ao México nesse quesito. A diferença da renda apropriada pelos 10% mais pobres e pelos 10% mais ricos é o triplo da média dos 18 países do G20 (afora Brasil e União Europeia, o 20º dos 20), grupo onde o Brasil devaneia seus sonhos de suprema potência e relevância. No G20, além dos ricos, estão Índia, China, Indonésia, África do Sul, México, Argentina e Turquia.
A renda domiciliar per capita média é de R$ 455 para 60% do país (menos que um salário mínimo). A média de anos de estudo é de sete, menos que a educação primária, e entre um quinto e um quarto da população é "analfabeta funcional". Somos pobres e ignorantes.
A renda medida pela Pnad cresce, mas modestamente (e com auxílio do boom do comércio mundial). Parece, pois, que parte da melhoria evidente do consumo se deveu ao aumento mundial de produtividade (queda de preços) e ao real forte. Em parte, melhoramos porque pegamos carona no progresso alheio.
Os governos FHC e Lula, mesmo com seus defeitos repulsivos, foram dos melhores da nossa história. Deram fim ao período de tumulto político, financeiro e social de 1980 a 1994. Mas governos são apenas parte da história. De resto, a contribuição fernandino-luliana à "paz social" parece ter estabelecido um novo padrão de conservadorismo.
Trata-se de um "pacto social" na prática, tão falado nos anos 80. À maneira nada radical do Brasil, reformou-se o Estado, a economia tornou-se mais funcional e administrou-se o remédio social previsto na Carta de 1988 (e pela receita das ditas "reformas neoliberais"), um sossega leão popular. Partidos políticos e movimentos sociais não se interessam em produzir mudança de monta -ou não têm motivos ou capacidade para tanto. A isto chegamos, à era da mediocridade sustentável.

VINICIUS TORRES FREIRE Paz social: o povo é barato