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12.10.12

cotas racialistas

Demétrio Magnoli

Sociólogo, doutor em Geografia Humana pela USP, colunista e escritor
Por que há tanta polêmica em torno do Estatuto da Igualdade Racial?
Na sua versão original, que tem muitos anos e tramita desde o início da década, ele configurava algo como uma nova Constituição Federal, em que o país seria redefinido não como uma nação, mas como uma confe­deração de duas nações. Estas palavras não estavam lá, mas este é o sentido. O texto tratava o Brasil como um território onde haveria uma nação de raça branca e uma nação de raça negra. O que a lei trazia, na verdade, era uma proposta de divisão dos bens públicos entre as duas nações. Ha­veria cotas raciais – não só ensino publico, mas também no serviço público e a sugestão de cotas no mercado de trabalho e no marketing –, criando uma série de instituições de autoadministração da nação negra, que seriam financiadas por recursos públicos. Era uma nova Constituição, que se baseava na supressão da ideia de uma nação única. Quando as ONGs do movimento negro pedem a retirada do projeto, é porque, com o acordo feito, ele perde este sentido. Torna-se uma declaração de inten­ções contra o racismo. As ONGs não são contra o racismo. Elas, na verda­de, acham que o racismo é bom, é necessário, porque produz consciên­cia racial. Elas não querem uma de­claração de intenções contra o ra­cismo, querem uma Constituição que racialize o Brasil e que nos divida entre duas nações, por isso a polêmi­ca.
No seu livro mais recente livro, Gota de Sangue, o senhor relaciona política e o “mito da raça”. Por quê?
O poder político tem os meios para produzir a raça como um elemento real na vida política das nações. Procurei mostrar ao longo do livro como diversos Estados, dentro de diversas circunstâncias históricas, constituem a raça na vida política das nações. Não é que o conceito exista, ele é produzido. O Estatuto da Igualdade Racial instituiria a raça por lei no Brasil, seria um ato do Estado de instituição legal da raça. Se fosse aprovado na versão original, passaríamos a viver em um país que define por lei o estatuto político de acordo com a raça. Embora raça não exista na biologia, pode ser produzida na política. Não conheço em detalhes o substitutivo, mas posso dizer que, nas versões anteriores, a lei instituía a raça como um elemento definidor da vida política no Brasil.
Há um caminho para solucionar estes conflitos?
A existência de diferentes posições não precisa ser solucionada. Opiniões diferentes existem em qualquer democracia. As ONGs podem ter sua posição à vontade. Espero que o Estado, o Parlamento, o Executivo e o Judiciário rejeitem a anulação da Constituição do Brasil. O país é formado por cidadãos, e a raça não é reconhecida pela lei. Cada pessoa, grupo ou ONG pode se imaginar como pertencendo a uma raça; isto é terreno da vida pessoal e cultural. Cada um pode imaginar identidade racial para si, e o Estado não tem de interferir, mas também não pode adotar a ideia da raça como lei e converter as identidades em legislação, ou impor à sociedade que se organize desta forma.

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