Os recentes episódios em torno da narcoguerrilha das Farc são uma excelente aula sobre como a falta de princípios atrapalha uma política externa. No caso, a política externa brasileira. Vamos deixar de lado neste momento princípios como ética, justiça, direitos humanos, etc, etc, e pensar apenas naquilo que se chama de Realpolitik – na esmagadora maioria das vezes, no meu entender, o fator dominante em relações internacionais.
O que representam as Farc do ponto de vista dos interesses brasileiros? Um perigo, sem dúvida. Trata-se de um grupo bem armado e bem organizado, com controle efetivo sobre uma excelente fonte de financiamento (plantio, colheita, processamento da folha da coca, distribuição e venda de pasta de cocaína e, em certos casos, do produto final). Partes desse agrupamento armado operam na fronteira brasileira e, conforme exemplo recente atestou, em contato direto com o crime organizado na Amazônia e em algumas grandes cidades.
Supondo, como suponho, que às autoridades brasileiras não interessa um grupo armado junto às nossas fronteiras em colaboração direta com o crime organizado, cabe perguntar o que é feito para combatê-lo. O governo colombiano comprou da Embraer um esquadrão de aviões monopostos turbo-hélice de excelente reputação em operações táticas, o Super Tucano. Depois dos helicópteros especiais de transporte e ataque (vendidos pelos americanos), é a melhor arma aérea contra guerrilhas.
Os principais pontos de passagem de fronteira do Brasil com a Colômbia foram reforçados pelo Exército, Marinha, FAB e Polícia Federal – embora todos eles sofram de crônica falta de pessoal e equipamentos e enfrentem enormes dificuldades para controlar fronteiras na Amazônia. Mas aquilo que os Estados-Maiores consideram uma real ameaça à nossa soberania não encontra a mesma avaliação no Planalto e no Itamaraty.
É o famoso “viés ideológico”, aliado ao fato do presidente Lula empenhar-se sempre em aparecer bem em todas as fitas, seja Havana, seja Caracas, seja Bogotá, seja Washington. Parece haver grande dificuldade, por parte de alguns personagens próximos a Lula, em desligar-se de uma visão de mundo que, por exemplo, celebrava as “conquistas” do regime comunista da Alemanha Oriental quando o Muro estava caindo, e que continua acreditando em “internacionalismo” e “solidariedade” de forças de esquerda que, na prática, também jamais existiu – especialmente quando estavam em jogo os interesses maiores de potências patrocinadoras do “internacionalismo” e da “solidariedade”.
As Farc perderam há muito tempo sua agenda política, típica de guerrilhas de inspiração cubana que também não mais existem. As autoridades brasileiras passaram perigosamente perto de conceder aos narcoguerrilheiros um status político que eles não merecem, e nem nos interessa (se a gente pensar no Estado brasileiro, e não apenas no atual governo). As Farc são uma ameaça não apenas distante à nossa soberania territorial: elas colaboram com forças (o crime organizado) que se infiltraram em uma parte considerável de nossas instituições.
Ou seja, não é necessário discutir por muito tempo se as Farc merecem ser chamadas de terroristas, insurgentes, beligerantes, heróis da luta pela liberdade ou o rótulo que você, leitor, preferir. Se é princípio da nossa política externa (e, até agora, foi) a defesa de nossa integridade territorial, o empenho em manter vizinhos estáveis e confiáveis (Evo Morales é? Uma Colômbia em guerra é?) e a ampliação da nossa capacidade de influência, parece-me uma grotesca e diletante atitude, a de tratar as Farc como parte do governo o faz.
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